Houve um tempo em que Oxóssi chamava-se Odé e era casado com Oxum. Odé era um grande caçador e adorava o que fazia não perdendo nunca a menor oportunidade de estar na mata caçando. Ficava às vezes dias inteiros andando pelas florestas a procura de caça, o que muito desgostava Oxum que queria o marido sempre perto de si.
Um dia logo pela manhã, arrumou-se, pegou seus apetrechos e já ia saindo quando Oxum chamou e pediu-lhe que não fosse à mata, pois aquele dia era dedicado a Ifá, portanto, não se poderia caçar, era tabu. O marido respondeu que não iria caçar, somente andar pela mata, pois não era de sua natureza ficar trancado em casa. Realmente ele andou muito e não caçou, mas não por causa do que sua mulher dissera, e sim porque não encontrou nada.
Quando se preparava para voltar à casa, escutou um canto estranho que parecia de um animal, mas que ele não conseguiu reconhecer. Imediatamente ficou alerta. Com sua experiência, conhecia todos os animais que por ali viviam. Entrando novamente na mata, andou pé-ante-pé para saber de onde vinha o que escutava e quem sabe surpreender o dono daquele canto tão diferente de tudo que já ouvira. Na certa, aquele animal era muito raro e caçá-lo não ofenderia Ifá.
Ficou surpreso ao constatar que quem cantava era uma enorme cobra estirada na beira do rio. Ela virava-se lentamente e de sua boca saia um canto estranho, mas muito bonito. Nesse instante seu instinto de caçador falou mais alto. Preparou seu arco e sua flecha mirando e acertando em cheio o coração do animal que continuava cantando. Flechou-o outra vez, e outra e mais outra, até ter certeza de que o bicho havia morrido. A cobra estava morta, mas continuava cantando. Odé colocou-a com dificuldade em sua sacola e seguiu para casa alegremente. Já pensava em oferecer o bicho a Ifá, mas ela continuava cantando.
Chegando a casa, abriu e limpou a cobra. E ela cantando. Achando tudo muito estranho, desistiu de ofertá-la a Ifá. Enfiou-a num espeto e a assou. Por fim, comeu a cobra que não parava de cantar dentro de si. Ouvindo aquele canto distante que saia de seu estômago sentiu sono e foi dormir enquanto Oxum não chegava. Porém, dormiu e não acordou.
Oxum ao chegar, escutou o canto e correu para a esteira em que o homem dormia e viu que ele estava morto, mas de sua barriga saia um estranho canto. Desesperada, colocou o corpo nas costas e foi procurar por Orunmilá. Lá chegando, contou entre lágrimas o que acontecera. O adivinho pediu que ela se acalmasse e esperasse do lado de fora enquanto ele tentava ressuscitar Odé. Preparou um banho com diversas ervas e depois de aplicar-lhe no corpo, rezou durante horas até que a cobra parasse de cantar. Chamou então Oxum e lhe disse que levasse Odé de volta, que ele voltaria à vida, mas que ao retornar seria chamado Oxóssi. Odé permaneceu morto por sete dias e ao acordar tornou-se Oxóssi, e muito envergonhado e arrependido, nunca mais caçou no dia sagrado.
Luiz Carlos Pereira
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