Há mais de vinte anos ouvi dizer que em nosso bairro morava uma mãe no santo que era feiticeira. Era a Vó Bartira, fui ao seu terreiro uma vez e ela, como pessoa, me impressionou, negra, pequenina, mas muito lúcida e altiva para seus mais de noventa anos. Não incorporava mais, sentava-se em uma cadeira branca ao lado do congá e dali dirigia todo o trabalho com mão de ferro. Exigia que todas as entidades a cumprimentassem e nada era feito sem por ela ser autorizado. Era quem definia as entidades que dariam os passes, quantos seriam atendidos, quem poderia falar em particular e assim por diante.
Tinha uma linha de trabalho que eu na época não poderia julgar, mas hoje me pego pensando de onde viria nunca mais vi alguém trabalhar daquela forma. No dia em que fui a esse terreiro achei estranho ser uma gira de direita e mesmo assim todas as luzes serem mantidas apagadas durante o tempo que durou. Apenas as velas do congá e dos pontos riscados pelo chão iluminavam o local.
Mais de vinte filhos espalhados pelo salão e pelo menos quinze deles incorporaram. Surpresa! Cada um com uma linha, no mesmo instante em que a Vó determinou que os atabaques soassem para a chamada, as incorporações começaram praticamente ao mesmo tempo. Havia baiano, boiadeiro, preto-velho, erê, cigano, Iemanjá, Oxum, exu e pomba-gira. Nunca tinha visto algo parecido em lugar algum e confesso que ainda hoje não tornei a ver.
Não estou aqui julgando e posso afirmar que ela era uma mãe conceituadíssima em nosso bairro respeitada por todos e benzedeira de todas as crianças da região. Eu na condição de pai no santo tenho absoluta certeza que não conseguiria trabalhar dessa forma, pois acho muito difícil reunir tantas entidades diferentes em um mesmo ambiente, haja vista todos terem suas particularidades de culto e postura.
Confesso que a Vó Bartira mexeu com minha cabeça e fui atrás de informações e foi incrível, todos os pais e mães no santo que eu procurava me diziam da maravilha de dirigente que ela era, mas que não queriam conversa a esse respeito.
Soube através de antigos médiuns dela que os testes que aplicava nos exus de sua casa eram dignos de filmes de terror. Fazia todos incorporarem em torno de uma grande panela com água fervente sobre uma fogueira, jogava um animal vivo dentro, podia ser um gato ou galinha. Os exus deveriam manter a tampa fechada com as próprias mãos até que acabasse o estertor do bicho. A panela então era aberta e todos comiam pelo menos um pedaço.
Como sou absolutamente contra os testes físicos em terreiros, isso até hoje me enoja, contudo vários médiuns que conheci e passaram por esse teste achavam absolutamente normal e um absurdo que não fosse feito em todas as casas. Infelizmente ela morreu pouco tempo depois de minha visita e não tive como conhece-la melhor, mas o olhar doce que ela me deu no dia em que nos encontramos até hoje está em minha memória. Qual seria o mistério de Vó Bartira?
Obs.: O nome da mãe foi alterado, mas quem morou em Itaquera nos anos 80 deve ter ouvido falar nela.
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