quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Mãe Preta

Eu acho essa poesia linda de doer!

"O coração do inocente,
É como a terra estrumada,
Qui a gente pranta a simente
E a mesma nace corada,
Lutrida e munto viçosa.
Na nossa infança ditosa,
Quando o amô e a simpatia
Toma conta da criança,
Esta sodosa lembrança
Vai batê na cova fria.
Quem pela infança passou,
O meu dito considera,
Eu quero, com grande amô,
Dizê Mãe Preta quem era.
- Mãe Preta dava a impressão
Da noite de iscuridão,
com seus mistero profundo,
Iscondendo seus praneta;
Foi ela a preta mais preta
Das preta qui eu vi no mundo.
Mas porém, sua arma pura,
Era branca como a orora,
E tinha a doce ternura
Da Virge Nossa Senhora.
Quando amanhecia o dia,
Pra minha rede ela ia
Dizendo palavra bela;
Pra cuzinha me levava
E um cafezim eu tomava
Sentado no colo dela.
Quando as minha brincadêra
Causava contrariedade
A minha mãe verdadêra
Com a sua otoridade,
As vez brigava comigo
E num gesto de castigo,
Botava os óio pra mim,
Mas porém, não me batia,
Somente pruque sabia
Qui mãe preta achava ruim.
Por isso eu não tinha medo,
Sempre contente vivia
Mexendo nos meus brinquedo
E fazendo istripolia.
Dentro de nossa morada,
Pra mim não fartava nada,
O meu mundo era Mãe Preta;
Foi ela quem me ensinou
Muntas cantiga de amô,
E brincá de carrapeta.
Se as vez eu brincando tava
De barbuleta a pegá,
E impaciente ficava
Inraivicido a chorá,
Ela com munta alegria,
Um certo jeito fazia,
Com carinho e com amô,
Apanhava as barbuleta;
Foi ela uma santa preta,
Que o mundo de Deus criou.
Se chegava a noite iscura
Com seus negrume sem fim,
Ela com toda ternura,
Chegava perto de mim
Uma coisa cochichava
E depois qui me bejava,
Me levava pra dromida
Sobre os seus braços lustroso.
Aquilo sim, era gozo,
Aquilo sim, era vida.
E despois de me deitá
Na minha pequena rede,
Balançava devagá
Pra não batê na parede,
Contando estes lindos verso
Qui neste grande universo
Ôtros mais belo não vi,
E enquanto ela balançava
E estes versinho cantava,
Eu percurava dromi.
Dorme, dorme, meu menino,
Já chegou a escuridão,
A treva da noite escura
Está cheia de papão.
No teu sono terás beijos
Da rosa e do bugari
E os espíritos benfazejos
Te defendem do saci.
Dorme, dorme, meu menino,
Já chegou a escuridão
A treva da noite escura
Está cheia de papão.
Dorme teu sono inocente
Com Jesus e com Maria,
Até chegar novamente
O clarão do novo dia.
Iscutando com respeito
Estes verso pequenino,
Eu sintia no meu peito
Tudo quanto era divino;
Nem tuada sertaneja,
Nem os bendito da igreja,
Nem os toque de retreta,
In mim ficaro gravado,
Como estes versos cantado
Por minha boa Mãe Preta.
Mas porém, eu bem menino,
Qui nem sabia pecá,
Os ispinho do destino
Começaro a me furá.
Mãe Preta qui era contente,
Tava um dia deferente.
Preguntei o que ela tinha
E assim que ela oiô pra eu
Dois pingo d'água desceu
Dos óio da coitadinha.
Daquele dia pra cá,
Minha amorosa Mãe Preta,
Não pôde mais me ajudá
Nas pega de barbuleta,
Sem prazê, sem alegria
Dentro de um quarto vivia,
O dia e a noite intêra,
Sem achá consolação,
Inriba de seu coxão
De foia de bananera.
Quando ela pra mim oiava,
Como quem sente um desgosto,
A minha mão apertava
E o pranto banhava o rosto.
Divido este sofrimento,
Naquele seu aposento,
No quarto onde ela viva,
Me proibiro de entrá,
Promode não magoá
As dô que a pobre sintia.
Eu mesmo dizê não sei
Qual foi a surpresa minha,
Quando um dia eu acordei,
Bem cedo domenhãzinha
Entrei na sala e dei fé
Qui um magote de muié
Tava rezando oração;
E vi Mãe Preta vestida
Numa ropona comprida,
Arva, da cô de argodão.
Sinti no peito um cansaço,
Depois uns home chegaro
Levantaro ela nos braço
E numa rede botaro.
A rede tava amarrada
Numa peça perparada
De madêra bem polida,
E naquela mesma hora,
Levaro de estrada afora
Minha Mãe Preta querida.
Mamãe com todo carinho,
Chorando um bêjo me deu
E me disse - meu fiinho,
Sua Mãe Preta morreu!
E ôtras coisa me dizendo,
Sinti meu corpo tremendo,
Me jurguei um pobre réu,
Sem consolo e sem prazê,
Com vontade de morrê,
Pra vê Mãe Preta no céu.
O coração do inocente,
É como terra estrumada
Que a gente pranta a semente,
E a mesma nasce corada
Lutrida e munto viçosa;
Na nossa infança ditosa,
Quando o amô e a simpatia
Toma conta da criança,
Esta sodosa lembrança
Vai batê na cova fria".

Autor: Patativa Do Assaré, ou ANTONIO GONÇALVES DA SILVA, direto do Ceará. Morreu em 2002 com 93 anos.

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